14/12/2011

Suspiros & Café (2009)

Curta-metragem nacional, dirigido por Gabriel Dib e Diogo Sinhoroto

  Ambiguidade alegórica no significado da missiva visual, dos fragmentos do suspiro junto ao café, fazendo parte desse meio e mantendo-se um tanto ermos, mesmo estando coligados, existia uma minuciosa barreira que os afastava. Como quisessem penetrar em um mundo tão próximo e aquecido, mas de difícil acesso por essas individuais propriedades. Um curta-metragem (10 minutos) primoroso, dá gosto de ver uma produção assim.
  
  Apesar de um filme resumido, impressiona o seu inversamente proporcional, a riqueza de mensagens esmiuçadoras, as imagens bem trabalhadas, a brincadeira que faz com o observador. Entretanto, o que genuinamente expande os argumentos são as metáforas (brilhantemente usadas), que se pensadas bem, geram muitos níveis de sugestões, dando a entender que cada detalhe possui sua dimensão abundante em conteúdo, significado. Uma microscopia estimulante, à medida que amplia a capacidade da visão, novas descobertas surgem em sua elevada beleza. Aqui o “suspiro” tem duplo sentido, o de adoçar o café e o de extravasar emoções, em suave tom romanesco; já o café com seu sabor amargo, austero e sisudo, pode perfeitamente ficar doce como o suspiro, se for bem dissolvido, que de fato não foi. Isso pode ser percebido nas atuações, que logravam sua leve consistência profissional, todavia, pareciam um tanto amadoras, propositalmente, mas não no contexto da história, que já cria um vínculo de envolvimento logo nos primeiros segundos. Afinal, o autor si inspirou no cinema mudo, do tipo aplicado por Kim Ki-duk, em “Fôlego”?

  “Suspiros & Café” é um curta-metragem exemplar. Existem várias outras interpretações a serem descritas, no entanto, essas são as mais nítidas. É importante notar também que a ficção seduz a realidade, confundindo-a. Esse é outro ponto que fica bem evidente. Recomendado como bom entretenimento e pela delgadeza.



12/12/2011

Um Animal Menor (2009)

Curta-metragem

  Excelente curta-metragem brasileiro. Um trabalho cuidadosamente realizado, cativante, com uma trama tensa, réproba, egoísta, carcereira, não só das personagens, mas também pela capacidade em envolver, sugar pela estória, mantendo a proposta até seu término, sem se desorientar.

  Uma das qualidades notórias de “Um Animal Menor” é a fusão de singeleza e profissionalismo (tanto pelo rumo técnico assim como a forma de conduzir as filmagens), por ter uma trama simples e mesmo assim ser bastante convincente, conseguindo prender pela curiosidade do desfecho, atinar as motivações das personagens (afinal, porque ambas estão naquela situação?). Igualmente, a figura antagonista, que nem precisa de introdução, apenas pelo clima e maneira suavemente insólita, paradoxal, de interagir com a “vítima”, reforça tudo isso em seu decorrer. Aliás, as duas figuras não necessitam de prévia apresentação, isso já ocorre à medida que o tempo passa. A mulher, sem saber, ficou presa em uma cratéra e o garoto fica ali com ela, e pronto. Mesmo pela ausência de dados sobre o que gerou aquela sufocante condição, não enfraquece o magnetismo do filme. Ótima atmosfera lúgubre e erma trabalhada, dando azos à vazios existências, o que em aparência é genuíno, não esquece de enfatizar a corda falsa da confiaça, de que tudo aquilo pode ser ilusório ou um pesadelo interminável. Quiçá, o que negativa um pouco esse bom curta, seja alguns diálogos desnecessariamente instrutivos, por exemplo: “Você precisa comer para não morrer de fome!!”. Dado estado deplorável, dizer “Você precisa comer!!” já é o bastante, inculca mais respeito, austeridade e controle. Atitude exemplar também, que é muito gratificante para quem aprecia Cinema, é exibir os bastidores, mostrando um pouco sobre como foi feito. “Um Animal Menor” tem Making Of de Arte, Montagem, Direção, Fotografia e Produção, tudo isso está disponibilizado no YouTube.

  Caso não tenha visto o curta, não leia mais a partir daqui. Uma interpretação que pode ser alcançada em seu final, é o estudo dos delírios de um menino deprimido e isolado. A água do poço representava o reflexo de sua tristeza, criando imaginariamente uma mulher que lograva ter domínio, até sexual. Os insultos que ela mirava na verdade eram produtos de sua autocrítica, era ele discutindo com si próprio, com seu modo de viver. A corda figurava-se o caminho de tirá-lo do poço, da mesmice, da pena que tinha si e emular com bravura as peripécias da vida. Lógico que isso é apenas um ponto de vista, assim como existem outros, pois a missiva é aberta.


11/12/2011

I Miss Sonja Henie (1971)

Curta-metragem 


  O curta-metragem “Sinto Saudades de Sonja Henie” (título traduzido) demonstra ser um projeto bem pessoal, com participação conjunta com vários diretores, entre eles Milos Forman e Tinto Brass. O tempo todo o curta não assume posição descritiva simples, dando base a interpretações subjetivas em níveis diversos.

  A própria sinopse já diz bastante, dando a entender, depois que assiste, que não passa de um jogo lúdico e oportunidade de interagir com outros cineastas, uma brincadeira entre eles. O que deixa inequívoco, de fato, é o tributo a Sonja (ou Sonia) Henie, uma patinadora artística e atriz norueguesa que faleceu numa viagem de avião, sendo um choque, já que ela era muito admirada como artista, igualmente pela beleza. O bem desconhecido cinegrafista Karpo Acimovic-Godina (responsável pela ideia) convidou outros diretores para gravar trechos e obrigatoriamente tendo a frase “I miss Sonia Henie” em cada um deles. O filme varia entre saudosismo, melancolia, delírio, desejo sexual, bizarrice, instinto, mas tudo com muito humor, ou bobeira, como alguns diriam, só não dizem muito porque o curta-metragem é bastante incógnito.

  Mas que tributo libidinoso é esse? Parece mais uma dedicatória de um fã onanista (Risos!) ou de alguém que conviveu reconditamente com a celebridade em questão, criando um vínculo solitário, venéreo e fictício com sua musa, que a morte fortuita causou de alguma forma a abstinência. Talvez seja isso mesmo, “abstinência”. Não afetando apenas os homens carentes, mas também uma exclusividade feminina.

Lista dos diretores envolvidos:

Karpo Acimovic-Godina
Milos Forman
Tinto Brass
Buck Henry
Dusan Makavejev
Frederick Wiseman
Mladomir ‘Purisa’ Djordjevic
Paul Morrissey



10/12/2011

O Baile dos Bombeiros (1967)

Título Original: Horí, má panenko / Direção: Milos Forman

  Caçoação de primeira ao regime comunista na década de 60 da República Tcheca, a crítica burlesca alastra em degraus até lograr um nível gritante, embora o próprio autor revele em uma entrevista que essa não era a intenção dele, mas apenas realizar um filme cômico com esses fatos. Disse também que toda essa controvérsia foi principalmente fruto de uma desconfiança que o próprio regime tinha de si mesmo, sentindo-se ameaçado. Ainda mais com o surgimento da Nouvelle Vague, estilo artístico do cinema francês que vinha ganhando cada vez mais espaço, tentando derrubar os muros dos filmes comerciais daquele período.

  Vendo “O Baile dos Bombeiros” com a perspectiva dos dias recentes, fica meio difícil compreender o espírito da polêmica gerada na época, que para nós podem chegar até despercebidas essas missivas razoavelmente disfarçadas e acusadoras, mas elas estão bem evidentes, como o sarcasmo, desmoralização, parecendo tatuar na testa de cada personalidade ali presente a palavra “palhaço”. O efeito foi tão montanhoso, despertando revolta no governo, que Milos Forman foi perseguido e proibido de realizar fitas na Tchecoslováquia, então o cineasta dá adeus ao cinema checo e abraça a emulação de trabalhar no país da sétima arte, os Estados Unidos da América. Iniciando com “Procura Insaciável” (1971) ou conhecido também como “Os Amores de Uma Adolescente”, para em seguida marcar seu nome de uma vez por todas com o louvado “Um Estranho no Ninho” (1975). Com uma classe distinta que Forman ostentou em “Pedro, O Negro” (1964) e “Os Amores de Uma Loira” (1965), mesmo que esses dois filmes não tenham conotação política relevante, limitando-se à comédia e modo de vida, “O Baile dos Bombeiros” demonstra não se preocupar em construir previamente uma situação “identifical-familiar”, que é, de fato, a boa sacada dos anteriores filmes, gerando uma agradável comicidade insinuante, com detalhes característicos, ou seja, não chega a ser tão engraçado como os outros. Redundância: a comédia dessas obras do Forman não é desse tipo que muitos de vocês geralmente assistem, grotescas ou dinâmicas. Aqui as coisas são muito mais refinadas, singelas e inteligentes; exigem um certo grau de maturidade do espectador para serem contempladas. Um bom filme.

  Agora a resenha vai adentrar em seu lado mais descritivo dos acontecimentos, portanto, se você ainda não viu ao filme, deixe de ler. O Corpo de Bombeiros planeja uma solenidade para comemorar os 86 anos de seu ex-chefe de departamento, que está sofrendo de cancêr, porém, o próprio parece não saber disso ou talvez tenha conhecimento de seu estado clínico, então o grupo de bombeiros procura manter sigilo na entrega do pequeno machado de ouro, para não parecer que está homenageando só por causa de sua doença. Isso já seria início de uma sátira a bioquice da burocracia? Se olhar bem, pode ser visto que sim, mesmo não sendo a intenção do cinegrafista ou tal cena trate da conveniência moralmente aceita de qualquer trabalho, que a mentira é mais certa que a verdade em momentos peculiares. A fita faz questão de enfatizar os requintes do objeto a ser entregue, tendo sua abertura com ele e logo de frente simbolizando poder, honra ao mérito à alguém que fez muito pela Corporação. Admito que não sei do valor histórico desse ícone, entretanto, imagino que não seja fundamental para a Organização, pois na reunião todos eles olham cuidadosamente e como algo um tanto desconhecido. Começa então a modelagem da festa e a depreciação passa a assumir um teor mais patente com o sumiço de alimentos e a falta de eficácia em manter a ordem, cujas personagens fazem papéis ridículos e engraçados onde preferem apagar o fogo em um cartaz que auxiliar uma pessoa em perigo, chegam a lembrar “Os Três Patetas” ou “Os Trapalhões” pelo tipo de burlesquidade que se baseia na ignorância. E assim é sua introdução, com um cartaz a figurar os bombeiros apagando um incêndio e em sua totalidade sendo consumido em chamas, metaforizando que “bombeiro” e “nada” são a mesma coisa, dar-se pouco valor a eles e a burocracia; para causar um efeito a mais, o plano de fundo dos créditos iniciativos é composto por fotos dos trabalhadores críveis e com uma trilha musical circense.

  O concurso de beleza, um dos eventos principais do Baile, é dirigido pelos membros do Corpo e as candidatas são escolhidas a dedo, mesmo sem o consentimento delas, apenas por se encaixarem no padrão de sedução aceito. Eles insistem com palavras diretas e de maneira que as candidatas fiquem sem opções, a não ser concordar com o convite. Outras vezes as trazem bruscamente para preencherem umas lacunas no número de escolhidas. Depois de tudo, eles se reúnem com elas atrás das cortinas para definirem os “parâmetros” do desfile, o que ficam bem duvidosos esses intentos pela semelhança abusiva sexual que contorna, nem por aproximações físicas, todavia, pela atmosfera criada em torno, dando a entender que vai além de uma básica competição, ainda mais com a figura materna presente, como se fosse a trava de segurança contra os atos ilícitos, que eles tentam desconcertantemente afastar, tornando-os ainda mais suspeitos. As próprias candidatas já são uma ironia em si, algumas estão despadronizadas ou têm sua beleza singular, exótica. Na hora de coroar a mais bonita o ritmo desanda negativamente, gerando uma confusão de complicado controle que o Milos Forman aproveita para dá closes íntimos, reforçando melhor sua proposta de um filme descontraído.

  Chegado o trecho da película que pode ser visto como mais uma denúncia contra o desempenho da Corporação de Bombeiros e a burocracia, que neste momento em que eles estão na gandaia, na baderna; algo de importante e grave está vingando do outro lado, onde uma enorme casa incendeia com um senhor dentro. Eles partem para amenizar o estrago, mas a falta de estrutura em solucionar o problema deixa a desejar, ainda para piorar, um dos integrantes do Baile tem a ousadia de pedir emprestada a mesa da casa incinerada para vender bebidas. São detalhes, minúcias, que se forem interpretados, ganham muito significado. Os pequenos furtos continuam sua trajetória discreta, dessa vez raptando os prêmios do concurso, já nem vou mais citar a palavra “ridículo” para não ficar excessivo, onde a solução que eles encontram acabam tendo resultados desastrosos para o próprio grupo, acompanhado com o argumento que é preferível não sujar a imagem da Instituição que ser honesto e devolver os objetos furtados em ocasiões impróprias.

  O ex-chefe da Corporação, já é o ícone propositalmente pintado para ser bobo, onde a fatuidade e candidez se mesclam. Composto por atos falhos em seu grau acima da média do risível, no entanto, com atitudes bem simpáticas e palavras bonitas nos momentos certos, até a expressão ingênua. O final é ótimo, tanta altercação para nada, massacra o comunismo. “O Baile dos Bombeiros” é a última obra checa do Milos Forman e seu primeiro filme colorido. Jucundo!



06/12/2011

A Maldição do Demônio (1960)


É muito comum falar sobre determinado movimento, seja ele político, social ou até mesmo artístico, e lembrar, imediatamente, das principais figuras que foram responsáveis pelo seu surgimento. Acontece na literatura, na música, no teatro e, por conseguinte, não seria diferente no cinema. Um dos casos mais conhecidos quando falamos sobre essa assimilação período-autor, no mundo da sétima arte, pode ser vista no século 40, mais precisamente no ano de 1945, com o lançamento de Roma, Cidade Aberta (Roma, città aperta), dirigido por Roberto Rossellini.

Este foi o estopim para o nascimento do neorrealismo italiano, movimento cinematográfico que trazia uma maior aproximação da ficção com a realidade, abordando questões sociais e econômicas que caracterizaram o período da Segunda Guerra Mundial e a força do regime fascista. Além de Rosselini, também recebemos grandes obras de Vittorio De Sica e Luchino Visconti, que vigoraram apenas até 1950, devido aos grandes investimentos no cinema de entretenimento, que ganhava maior destaque na Itália pós-guerra.

O neorrealismo italiano não se tornou apenas um movimento expressivo dentro do país de origem, afinal, ele está entre os mais importantes da história do Cinema. No entanto, este não é o único motivo para se orgulhar do cinema italiano, pelo contrário. O país foi palco de outros movimentos que, embora sejam coadjuvantes, enriqueceram e influenciaram muito as futuras gerações. Um dos melhores exemplos a serem citados é o surgimento da Era de Ouro do Horror.

O gênero, que permanecera estagnado por alguns anos, começava a receber novos representantes, dentre eles: I vampiri (Idem, 1956), dirigido por Riccardo Freda e A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein, 1957), dirigido por Terence Fisher, produzido pela gloriosa Hammer, uma das grandes representantes do Cinema B. Enquanto o filme italiano não recebeu qualquer relevância dentro do país, o remake do clássico da Universal comprovava o poder das antológicas criaturas. E é justamente nesse plano de fundo que surge uma das figuras mais talentosas do Cinema e protagonista do movimento citado anteriormente; Mario Bava.

Filho do cineasta e escultor Eugenio Bava, Mario teve o primeiro contato muito tardio na direção de um filme. No entanto, até ter a oportunidade de dirigir A Maldição do Demônio (La maschera del demonio, 1960), o cineasta obteve experiência em diversos cargos, desde supervisor de efeitos especiais até diretor de fotografia, chegando a trabalhar, até mesmo, com o supracitado Roberto Rossellini. Foi na produção de I vampiri que Mario Bava teve o primeiro contato na direção, afinal, o diretor Riccardo Freda teve sérias discussões com os produtores e acabou desistindo de filmar o que faltava.

Três anos se passaram e a história tornou a se repetir. Freda, novamente pressionado, entrega o desfecho de Caltiki - il mostro immortale (Idem, 1959) nas mãos de Bava. Decidido a iniciar sua carreira na direção, principalmente com a volta das produções do gênero horror ao cenário mundial, o italiano estréia em A Maldição do Demônio, com roteiro baseado no conto "Viy" do russo Nikolai Gogol, que fala sobre a história de uma princesa que é condenada, juntamente com o seu parceiro, por vampirismo. Séculos se passam e os dois conseguem voltar à vida e, finalmente, se vingar da nova geração da família.


Abordando uma das temáticas que consagrou os estúdios da Universal com um dos grandes clássicos da história, Drácula (Dracula, 1931), dirigido por Tod Browning, Mario Bava trabalha com o vampirismo sem fazer uso de elementos característicos desse tipo de filme, como por exemplo: a tão famosa transformação do ente mitológico em morcego, ou até mesmo, a exibição das presas pontiagudas. No entanto, essa ausência foi suprida por particularidades que funcionaram muito bem, dando destaque para o sentimento de vingança presente nas criaturas.

É importante lembrar que este filme não alavancou apenas a carreira do diretor, mas também impulsionou a atriz Barbara Steele que, futuramente, seria reconhecida como uma das grandes musas da Era de Ouro do Horror Italiano. Sua beleza irrefutável acabava sendo uma das grandes marcas registradas das produções, entretanto, em A Maldição do Demônio, Barbara recebeu maior destaque pelo fato de atuar em dois personagens; a princesa Ava, que foi condenada pela Inquisição, e a princesa Katia, alvo principal da vingança.

Por mais que o filme tenha um desenvolvimento muito agradável, alternando, até mesmo, algumas sequências marcantes onde o drama e o romance ganham maior espaço, sem prejudicar o ritmo predominante do terror, o destaque principal da obra fica para o trabalho de câmera. Mario Bava nitidamente se diverte juntamente com Ubaldo Terzano, o operador de câmera, enquanto filma naquela cenografia gótica. Demonstrando total mobilidade durante o filme inteiro, Bava desliza por todos os ambientes, fazendo uso dos movimentos panorâmicos e, até mesmo, do zoom, em casos especiais. Sobrou até espaço para um take em câmera lenta que aparenta ter sido filmado apenas para comprovar que o diretor sabia muito bem o que estava fazendo, resultando, obviamente, em mais um belo momento da obra.

Como foi dito anteriormente, Bava obteve experiência na direção de fotografia, antes de dirigir o seu primeiro filme, portanto, notamos a facilidade em enquadrar o plano da melhor forma possível, usufruindo ao máximo da iluminação e dos próprios artifícios que se tornariam comuns a esse tipo de filme, com o passar dos anos, a exemplo da névoa.

Assim como o neorrealismo encheu os olhos dos cinéfilos espalhados pelo mundo inteiro, com as grandes obras de cunho social e político dos cineastas citados nos primeiros parágrafos, a Era de Ouro do Horror Italiano também teve seu espaço nas mãos de Mario Bava, principalmente, mesmo que em segundo plano. O italiano deixou para nós e para as futuras gerações, um cinema criativo, tecnicamente a frente de sua época e esteticamente incomparável.

Pedro, O Negro (1964)



  Estágio típico de um jovem em composição, fase que irá lhe definir homem, responsável, chefe de família. Um pouco mais da abertura do filme fica notável a apatia de Pedro (Petr, no original), sua falta de discernimento é cômica e seria uma maldade dizer que é um estado normal dessa idade.

  Pedro é um adolescente corriqueiro como qualquer outro, débil em umas situações e sarcástico em outras. Ele parece raciocinar desprovido de aval próprio, faz o que lhe mandam sem medidas, talvez efeito de um desinteresse profundo ou inibição. Precisa passar por importantes reformas, que são guiadas pelo seu censor pai, inclusive o ator Jan Vostrcil que fez a personagem paterna, usurpa para si todas as cenas que está presente, que segundo informações nem era um intérprete por profissão e sim, líder de uma banda musical. O singelo motivo disso é pelas ótimas cadências que mostrou em tela, fazendo muito bem o papel de um pai protetor e experiente, cuja personagem representava a marca conservadora e crítica do sistema, mostrando ter bastante conteúdo como consequencia de tanto esforço em manter a condição familiar. “Suporte isso por um ou dois anos e será um homem.” Ou seja, o peso de uma boa vida, a responsabilidade que isso exige é tratado como valor de todos, como irrefutáveis, mesmo que algumas vezes devemos fazer o que não gostamos. Achei a comicidade em “Cerný Petr” (título na República Tcheca) um pouco parecida com a de “Os Amores de Uma Loira”, segundo longa-metragem do Milos Forman, embora aqui beire um pouco uma engraçada insanidade, a cena do “Oi” é uma das melhores e mais hilárias do filme. Sinceramente, nem tem muita comparação entre ambos em qualidade, mesmo tendo bases semelhantes.

  Esqueça a denotação racista que o título leva a entender, pois o sentido é outro nesse bom trabalho. Ainda na época da Nouvelle Vague, movimento de bastante relevância ao Cinema, “Pedro, O Negro” mantém as graças de sua burlesquidade e suave, disfarçada crítica social. O final é curioso ao extremo, dá força a uma pergunta que estagnava a geração, deixando sem resposta até mesmo os mais atentos. A película granjeou o galardão de Melhor Filme no Festival Internacional de Locano (Suíça) em 1964 e o cineasta ganhou como Melhor Diretor Estrangeiro no Jussi Awards (Finlândia) em 1967. Um bom filme e merece ser conferido.



O Guerreiro Silencioso (2009)



O Guerreiro Silencioso, ou Valhalla Rising no original, é uma produção conjunta de Dinamarca e Inglaterra, dirigida por Nicolas Winding Refn, com elenco encabeçado por Mads Mikkelsen, sobre a trajetória de um guerreiro nórdico acompanhado de um garoto e um grupo de cristãos, há cerca de mil anos atrás.

O filme tem uma premissa um pouquinho remanescente do velho Conan, o Bárbaro, de John Milius. Mas se o filme de Milius já é considerado por alguns como não tendo tanto movimento quanto se esperaria, esse aqui, que lembra também um pouco de Herzog e até mesmo um tiquinho de Tarkovsky, passa mais longe ainda do quesito “ação do início ao fim”.

A história se passa ainda na época dos vikings e o ator Mads Mikkelsen vive aqui um guerreiro nórdico de um olho só – que por isso passará a ser chamado de Um Olho – que é mantido prisioneiro.

Um Olho, que não profere palavra alguma e parece ser imbatível em combate, é obrigado a participar de lutas até a morte, pra gerar renda a seus senhores. A única pessoa que lhe demonstra alguma compaixão é Are, um garoto que é encarregado de “alimentar o animal”.

Mas chega um momento em que Um Olho se liberta, mata seus antigos donos e sai perambulando com o garoto Are, até encontrar um grupo de cristãos que pretende ir a Jerusalém lutar em cruzada. Um Olho e Are então se juntam a eles e é a partir daí que transcorrem os eventos principais do filme, que até então estava apenas apresentando seus personagens.

Nada indica que a trajetória será fácil e cada um dos viajantes parece ter seus próprios e particulares objetivos, mas o grupo de cristãos parece geralmente seguir um deles, que tem postura de líder e enuncia preceitos religiosos de salvação, a qual poderá ser obtida na reconquista da Terra Santa.

Só que o barco no qual todos viajam toma rumos desconhecidos e os leva para uma terra misteriosa, mas pelo menos tão violenta quanto a Terra Santa.

O filme trata de uma jornada de busca. Mas uma jornada na qual a busca da salvação, da maneira como era almejada pelos cristãos, assume contornos de uma estranheza que entra em choque com o misticismo de sua crença religiosa.

O roteiro é simples e o que torna o filme uma experiência forte, é que ele consegue extrair dessa “linha de história” um conto austero, violento, alucinógeno, hipnótico.

Todo o filme é incrivelmente sério, não há sequer uma pitada de humor. Também “austeros”, são os recursos postos à disposição da produção. Mas o trabalho bem sucedido ao ponto de dar mesmo a sensação de qualquer requinte a mais na elaboração do filme, estragaria muito de sua “beleza”.

Todo o cenário do filme são apenas as locações totalmente naturais em que os personagens vagam. Mas a câmera explora muito bem essa natureza, conseguindo mesmo mostrar a “presença das montanhas e das florestas”, de maneira a nos fazer perceber algo do quanto de vida há naqueles ambientes.

Nesse sentido, o filme presta mesmo uma pequenina homenagem a Tarkovsky e à maneira como ele nos trazia a natureza em seus trabalhos.

Mas é ainda uma jornada de homens e esses homens, embora completamente perdidos, mostram a que vieram. Verdadeiros bárbaros, seu real objetivo é algo muito mais “mundano” do que o que eles professam, ainda que para isso, estejam plenamente certos de que o Deus único e seu filho sacrificado são quem demandam a procura da carnificina em uma terra distante.

Nesse sentido, acho que remete um pouquinho também a Herzog e a seu Aguirre.

Mas de fato, esses homens encontram uma carnificina, mas assim como é o caso com Deus, essa carnificina mostra que com seu nome não se brinca, nem se usa em vão e ela então os castiga mostrando o seu real significado.

Quem já era tão estranho quanto a viajem em si, era o próprio Um Olho, que passa então a ser visto pelos demais como o verdadeiro esteio a ser seguido nessa busca, que continua a ser de salvação, mas de salvação através da necessidade mais urgente de sobrevivência, em um mundo alienígena até mesmo para os mistérios da fé daqueles cristãos.

Um Olho é aquele que melhor consegue sobreviver no estranho mundo e, de fato, ele possui o dom da clarividência, o que é percebido pelos outros, que então tendem a segui-lo, quando não querem matá-lo.

Disso tudo já dá para se ter uma idéia dos temas tocados pelo filme. Mas realmente, os temas são apenas “tocados” pela fita e nenhum deles é visto com profundidade, apenas são vislumbrados em meio à estranheza de tudo, numa sábia decisão que evita objetivos inatingíveis e previne contra a vergonha da pretensão não satisfeita.

A fita tem seu próprio tempo, seu andamento é deliberado. Mas o caminho mostrado pela direção não tem nada de supérfluo, todo o tempo lento que o filme percorre é perfeitamente utilizado para transmitir do conteúdo.

O elenco dá conta do recado, com especial destaque para Mads Mikkelsen, bastante convincente nesse papel, que lembra mesmo o primeiro Conan com Schwarzenegger, antes que o austríaco emitisse qualquer de suas poucas palavras nesse filme. Mas se Mikkelsen não tem os músculos de Arnold, ele supera em muito as capacidades interpretativas deste último, além do que, sua figura e sua expressão pesadamente sombrias mais do que compensam seu físico delgado.

As cenas de ação são poucas, mas eficientes e estão lá para auxiliar na construção do todo e não como o objetivo principal.

O filme tem mesmo um cunho simbólico bem interessante. Na verdade, Um Olho é uma bela referência a Odin, ou Wotan, o deus máximo da mitologia nórdico-germânica, que também tem apenas um olho e é o senhor da guerra e da sabedoria a ser espelhada e seguida.

E o deus Odin, assim como Um Olho, previu o seu próprio crepúsculo, o seu próprio fim e se preparou e o recebeu com a dignidade de quem sabe que tudo nesse mundo se transforma, que as pessoas e suas criações morrem para darem lugar àquilo que está por vir.

E de fato, o monumento de pedras erguido por Um Olho, assim como as criaturas que se revelam no fim da história, demonstram que é o “Novo Mundo” que está a surgir, em paralelo ao “Surgir do Valhalla” do próprio título do filme, sendo que este último na verdade anuncia o realmente o fim e não o nascimento dos deuses nórdicos.

Em suma, não há profundidade na fita, apenas uma alusão simples, mas que é muito bem colocada e, sobretudo, inspirada, funcionando deveras, ao ponto de ser marcante o suficiente pra deixar uma boa impressão.

Muito bom filme.

05/12/2011

Imortais (2011)


Olha, o roteiro é fraco.. se tu pretende olhar, nem crie muitas expectativas com isso. É tipo uma mistura de '300' com 'Furia de Titãs'. Tem o lance da fotografia que meio que uma inovação, é toda predominada pela cor dourada! A história assim.. concentrada na sua maioria, na vida de Teseu.. é meio interessante até, o rei Hipérion (Mickey Rourke) declara guerra contra todo o mundo grego, para isso ele quer reforçar o seu exército resgatando os Titãs, que foram presos por Zeus. O até então desacreditado Teseu, é o escolhido por Zeus para impedir Hipérion, que havia matado à sua mãe, de conseguir tal façanha que seria dominar a Grécia.

Acontece que passa mais da metade do filme se esperando que ele (Hipérion) resgate os titãs, e finalmente quando isso acontece - lá pro final - pra minha decepção, eles aparecem bem pouquinho... Apesar de algumas "falhas", de prometer muito, e acabar enrolando um pouco (o que cansa).. o final de 'Imortais' é épico.


 Tirando a parte dos titãs que opderiam ter sido mai difíceis de ser derrotado ou algo do tipo, a guerra final até a parte que antecede o pós guerra - o filho de Teseu aparece depois disso e deixa um ar de continuação - é perfeita.

ps: Henry Cavill (Teseu) será o super homem na nova franquia do homem de aço... me parece ter potencial, mas será que foi a escolha certa? A resposta em um ano e meio...

04/12/2011

Pulp Fiction (1994)

 
Se em Cães de Aluguel (1992), Quentin Tarantino despontou como um criativo e promissor cineasta que viria a dar uma nova dimensão ao cinema independente norte-americano, em Pulp Fiction (1994), o cara resolve quebrar tudo e definir de vez a que se prestava com o domínio de uma câmera.

Diferente de seu antecessor (Cães de Aluguel), Pulp Fiction não se prende a uma situação ou a uma trama pontual (não quero aqui dizer que uma história bem específica não dá um bom filme; longe, muito longe disso), mas sim a um universo. Tal universo teria seus limites desenhados pelo próprio Taranta e a coisa funcionaria mais ou menos como um aprisionamento dele mesmo. Aliás, funcionou. Dali não se escapa. Os moldes dos trabalhos do queixudo do Tennessee estavam sendo delimitados e os ingredientes usados para realizar a façanha que foi este filme se tornariam onipresentes em toda a sua obra e em filmes alheios, influenciando uma geração de cineastas e cinéfilos.

Há quem diga que Kill Bill (2003 e 2004) refinou as ideias já implementadas desde Pulp Fiction. É bem verdade, mas a textura áspera e bruta que se depreende de Pulp Fiction lhe concede o posto de obra máxima de filmes “bagunçados, mas organizados”, assemelhando-se a uma fanzine. Não só por isso. Mas por todas as condições que cercaram a realização desta obra: produção independente, recursos quase mendigados, direção e roteiro embaralhados, visual sofisticado e uma “mistureba” de elementos pop tão rica e pungente que põe o espectador à prova, permitindo a ele uma auto avaliação no que tange os seus conhecimentos sobre cultura em geral. Para completar, o título e o cartaz (que evidentemente parece uma capa de revista barata) do filme comprovam quais as reais intenções de Tarantino.

É interessante notar como o filme nunca esquece as suas fontes de inspiração, incorporando ao próprio roteiro picotado a cara das revistas pulp e se utilizando de uma direção sedenta, que transparece a ânsia por querer mostrar cenas e transmitir reações fortes cada vez mais, num único filme. Por falar nisso, a marcante trilha sonora cai bem demais e esse gosto musical invejável habita cada filme do Quentin. Dessa vez, há muito surf rock, soul e pop underground, que confere uma sensação de marginalização que se deseja. A (des)construção cronológica está lá para corroborar com o que foi dito; e que coisa linda ela é! Quem não viu o filme, pode até pensar que isso não é grande coisa e que é um recurso já muito utilizado, mas em Pulp Fiction a deslinearização narrativa atinge um nível genial, juntando as peças antes desconexas e vomitadas em partes divertidamente nomeadas para dar-lhes um sentido novo, uma perspectiva diferente e entrelaçá-las; e o espectador chega ao Nirvana.

 As promessas de como as histórias do filme se cruzarão é um forte impulsionador para se estabelecer empatia com o filme. De início, há um casal (Tim Roth e Amanda Plummer, desvairada) assaltando uma lanchonete. Depois a cena muda para Vincent Vega (John Travolta, “ressuscitado”) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) indo cumprir ordens de seu chefão mafioso, Marsellus Wallace (Ving Rhames) e após isso somos apresentados ao personagem de Bruce Willis, Butch. Uma Thurman, por sua vez, constitui um adereço que torna o filme mais belo e ostensivo e sua participação é ótima. Ainda houve espaço para Eric Stoltz, Harvey Keitel, Christopher Walken e outros bons atores. Um elenco de peso, certo? Certo e, acima de tudo, muito bem aproveitado e dirigido. O desenvolvimento dos personagens não poderia ser outro: inquieto e através de longos diálogos e monólogos sobre assuntos inusitados, mas que muito dizem sobre eles mesmos do modo como são discutidos. Há um evidente desapego e uma aversão aos dramas, personagens e acontecimentos convencionais (fica impossível não esboçar nem um sorriso com a história do relógio da família de Butch), o que marca (aqui sim!) a superficialidade orgulhosa e primorosa e o frenesi por mudar de cena, por mostrar mais sangue, por ir e voltar no tempo e bagunçar as cartas sobre a mesa, confundindo até o espectador mais prevenido, entretendo de forma inteligente e provocando uma overdose de deliciosos sabores, que quando são agrupados, tornam-se ainda mais palatáveis. Por pelo menos 2 horas, esquece-se o mundo lá fora e habita-se satisfeito no atraente mundo do crime.

Esta colcha de retalhos, aclamada pela crítica e indicada a muitos prêmios – entre eles sete Óscares – é o filme eclético definitivo e uma paródia múltipla séria. É desnecessário dizer que é um filme obrigatório para qualquer cinéfilo, devido a sua importância inegável no cenário cinematográfico dos anos 1990. Goste ou não dos filmes do Tarantino (ou da pessoa orgulhosa que ele é), o cinema moderno deve muito a eles e nós estaremos subjugados aos mesmos enquanto gostarmos de filmes bons. Especialmente a este.

Os Amores de Uma Loira (1965)



  Singelo, recreativo censor, agradável e desculpem pela expressão melosa frívola, muito gostoso de assistir. “Os Amores de Uma Loira” foi a obra que deixou conhecido no exterior o cineasta Milos Forman, autor do aclamado “Um Estranho no Ninho”, inclusive com esse seu aparente segundo longa-metragem, foi indicado a Oscar como Melhor Filme Estrangeiro em 1967. Os anteriores trabalhos do diretor são duvidosos, não pela qualidade, mas por serem desconhecidos, como "Lanterna magika II" e "Audition", bastante difíceis de serem encontrados em circulação, uma pena para quem aspira sondar a fundo o talento do Forman. Aliás, "Pedro, O Negro" é de 1964 e encontra-se disponível em Torrent.

  O bom de assistir fitas sem ler sinopse é que aumenta as chances de imprevisibilidade, passa a compreendê-las com alvura, avaliar como propriamente são, sem falsos julgamentos. Um filme que desde o começo e alguns minutos, nada promete, chegando a ser um tanto monótono e desencorajador, porventura pela música, que parecia ilustrar, talvez propositalmente, a candidez, fragilidade acolhedora e tédio da época. Entretanto, as coisas ganham rumo surpreendentemente agradável, cômico, crítico e envolvente, fazendo questão de tratar cada camada como complemento, que se desenvolve aos poucos, nos fazendo rir pela singeleza e familiaridade que cada uma delas apresenta, um sutil convite ao intercâmbio dos espectadores, cujo diálogo humorístico e inteligente nos mantêm descontraídos em todo o seu percurso. A premissa informal também serve como base para zombar, mesmo que levemente, o ritmo de vida das mulheres na República Tcheca, em Praga. Numa fase em que elas eram em quantidade enorme para cada homem e viviam aflitas pela busca do rapaz certo, como é bem patente, várias seguiam deprimidas por não terem sucesso no casamento. Alguns homens reconheciam essa situação e buscavam tirar proveito, principalmente das mais jovens e das mais carentes. Outro detalhe que me chamou a atenção foram as cenas de nudez, achei bastante expressivas para o tempo, inclusive nessas cenas criaram em mim um considerável desdém pela protagonista. Bom, assistam e vocês saberão.

  “Os Amores de Uma Loira” vale a pena ser visto por todas essas razões citadas. O final é lindo e com uma trilha que com certeza todos vocês já ouviram em algum lugar, representando muito bem o lúgubre do estado da mulher em função de um homem, tediosamente oxigenado.



02/12/2011

Sonho (2008)



  Um maravilhoso filme do início ao fim, a acuidade desse trabalho é bastante curiosa e agradável de acompanhar, entra-se em um céu nebuloso onírico que causa uma leve aflição em seu seguimento e também, conforto.

  Agora tentando explicar as raízes desses galanteios, “Sonho” é um tipo de filme interessante que ilustra a nossa ficção íntima, presente e em alguma dimensão, vero. Nos complementando no sentido de reconhecimento próximo em situações analógicas (até mesmo em condições de produção), sendo brevemente previsível e em tempo idêntico muito alheado dos clichês, aliás, termo esse que foi aplicado de maneira irresponsável, pois sua modelagem não é característica como a maioria. O previsível aqui (outra irresponsabilidade) não é sobre o desfecho em geral, no entanto, o antedizer ou imaginar caminhos de uma atmosfera sendo previamente criada, brincando com agrado à nossa perspectiva por tais convivências, a cadência é trabalhada com maestria por exibir o que foi citado, apresentar miudezas que aos poucos se tornam grandiosas, gerando vários níveis de glosas em possibilidades individuais. Mas todo esse amoroso passa a ficar cada vez mais sombrio, pungente; começa a penetrar em uma proporção nonsense e metafórica, nos deixando confusos entre crível e quimera, tudo isso sem frenesi pretensiosa, típica desses estilos de roteiros. “Bi-Mong” (no original coreano) é a artística junção de fantasia contemplativa e simplicidade, entretanto, ainda assim consegue confundir nosso entendimento em seu calmo desenrolar. A trilha sonora parece ser o próprio conceito ludibrioso dos sonhos, envolvente, hipnótica; nos prega curiosos até o seu término. Destaco o desempenho do ator Joe Odagiri fazendo a personagem Jin, não tenho certeza, mas li em alguns comentários que durante a fita ele falava japonês e o restante, coreano; não dá para estranhar porque tudo é feito com muita lidimidade e também acho o idioma coreano bem parecido com o do Japão, como não entendo o sotaque de nenhum dos dois, passei batido. Enfim, achei isso interessante. A atriz Ji-a Park também está ótima em um papel de delírio, mas não marca, talvez porque ela ficou muito no secundário e afigurava-se mais ao início de insanidade da Ran, feita pela Na-yeong Lee. Gostei igualmente da Ji-a em outros trabalhos do diretor, como “Fôlego” e mormente em “The Coast Guard”. Segundo as revelações, Na-yeong quase morre numa cena do final, o que deixou o autor muito deprimido, parece que isso é contado em “Arirang”.

  Quero relatar também que com “Sonho” termino de completar toda a filmografia de Kim Ki-duk (15 filmes), ele já lançou mais dois neste ano (Amen e Arirang), mas infelizmente ainda não está disponível para Download. Afirmo que foi uma experiência surreal e gratificante conhecer a obra dele. Todas as películas de Ki-duk abordam muito os sofrimentos humanos, extremistas, suicídos, as mulheres em situações desconcertantes, as metáforas e com beleza tocante. É um verdadeiro artista, especialista nos conflitos e compositor das cenas mais voluptuosas venéreas, não é nenhum Tinto Brass, mas também merece ser enfatizado nesse quesito. Ki-duk Kim é um de meus cinegrafistas joeirados e “Sonho” ocupa meu TOP 3 de sua filmografia.