06/12/2011

A Maldição do Demônio (1960)


É muito comum falar sobre determinado movimento, seja ele político, social ou até mesmo artístico, e lembrar, imediatamente, das principais figuras que foram responsáveis pelo seu surgimento. Acontece na literatura, na música, no teatro e, por conseguinte, não seria diferente no cinema. Um dos casos mais conhecidos quando falamos sobre essa assimilação período-autor, no mundo da sétima arte, pode ser vista no século 40, mais precisamente no ano de 1945, com o lançamento de Roma, Cidade Aberta (Roma, città aperta), dirigido por Roberto Rossellini.

Este foi o estopim para o nascimento do neorrealismo italiano, movimento cinematográfico que trazia uma maior aproximação da ficção com a realidade, abordando questões sociais e econômicas que caracterizaram o período da Segunda Guerra Mundial e a força do regime fascista. Além de Rosselini, também recebemos grandes obras de Vittorio De Sica e Luchino Visconti, que vigoraram apenas até 1950, devido aos grandes investimentos no cinema de entretenimento, que ganhava maior destaque na Itália pós-guerra.

O neorrealismo italiano não se tornou apenas um movimento expressivo dentro do país de origem, afinal, ele está entre os mais importantes da história do Cinema. No entanto, este não é o único motivo para se orgulhar do cinema italiano, pelo contrário. O país foi palco de outros movimentos que, embora sejam coadjuvantes, enriqueceram e influenciaram muito as futuras gerações. Um dos melhores exemplos a serem citados é o surgimento da Era de Ouro do Horror.

O gênero, que permanecera estagnado por alguns anos, começava a receber novos representantes, dentre eles: I vampiri (Idem, 1956), dirigido por Riccardo Freda e A Maldição de Frankenstein (The Curse of Frankenstein, 1957), dirigido por Terence Fisher, produzido pela gloriosa Hammer, uma das grandes representantes do Cinema B. Enquanto o filme italiano não recebeu qualquer relevância dentro do país, o remake do clássico da Universal comprovava o poder das antológicas criaturas. E é justamente nesse plano de fundo que surge uma das figuras mais talentosas do Cinema e protagonista do movimento citado anteriormente; Mario Bava.

Filho do cineasta e escultor Eugenio Bava, Mario teve o primeiro contato muito tardio na direção de um filme. No entanto, até ter a oportunidade de dirigir A Maldição do Demônio (La maschera del demonio, 1960), o cineasta obteve experiência em diversos cargos, desde supervisor de efeitos especiais até diretor de fotografia, chegando a trabalhar, até mesmo, com o supracitado Roberto Rossellini. Foi na produção de I vampiri que Mario Bava teve o primeiro contato na direção, afinal, o diretor Riccardo Freda teve sérias discussões com os produtores e acabou desistindo de filmar o que faltava.

Três anos se passaram e a história tornou a se repetir. Freda, novamente pressionado, entrega o desfecho de Caltiki - il mostro immortale (Idem, 1959) nas mãos de Bava. Decidido a iniciar sua carreira na direção, principalmente com a volta das produções do gênero horror ao cenário mundial, o italiano estréia em A Maldição do Demônio, com roteiro baseado no conto "Viy" do russo Nikolai Gogol, que fala sobre a história de uma princesa que é condenada, juntamente com o seu parceiro, por vampirismo. Séculos se passam e os dois conseguem voltar à vida e, finalmente, se vingar da nova geração da família.


Abordando uma das temáticas que consagrou os estúdios da Universal com um dos grandes clássicos da história, Drácula (Dracula, 1931), dirigido por Tod Browning, Mario Bava trabalha com o vampirismo sem fazer uso de elementos característicos desse tipo de filme, como por exemplo: a tão famosa transformação do ente mitológico em morcego, ou até mesmo, a exibição das presas pontiagudas. No entanto, essa ausência foi suprida por particularidades que funcionaram muito bem, dando destaque para o sentimento de vingança presente nas criaturas.

É importante lembrar que este filme não alavancou apenas a carreira do diretor, mas também impulsionou a atriz Barbara Steele que, futuramente, seria reconhecida como uma das grandes musas da Era de Ouro do Horror Italiano. Sua beleza irrefutável acabava sendo uma das grandes marcas registradas das produções, entretanto, em A Maldição do Demônio, Barbara recebeu maior destaque pelo fato de atuar em dois personagens; a princesa Ava, que foi condenada pela Inquisição, e a princesa Katia, alvo principal da vingança.

Por mais que o filme tenha um desenvolvimento muito agradável, alternando, até mesmo, algumas sequências marcantes onde o drama e o romance ganham maior espaço, sem prejudicar o ritmo predominante do terror, o destaque principal da obra fica para o trabalho de câmera. Mario Bava nitidamente se diverte juntamente com Ubaldo Terzano, o operador de câmera, enquanto filma naquela cenografia gótica. Demonstrando total mobilidade durante o filme inteiro, Bava desliza por todos os ambientes, fazendo uso dos movimentos panorâmicos e, até mesmo, do zoom, em casos especiais. Sobrou até espaço para um take em câmera lenta que aparenta ter sido filmado apenas para comprovar que o diretor sabia muito bem o que estava fazendo, resultando, obviamente, em mais um belo momento da obra.

Como foi dito anteriormente, Bava obteve experiência na direção de fotografia, antes de dirigir o seu primeiro filme, portanto, notamos a facilidade em enquadrar o plano da melhor forma possível, usufruindo ao máximo da iluminação e dos próprios artifícios que se tornariam comuns a esse tipo de filme, com o passar dos anos, a exemplo da névoa.

Assim como o neorrealismo encheu os olhos dos cinéfilos espalhados pelo mundo inteiro, com as grandes obras de cunho social e político dos cineastas citados nos primeiros parágrafos, a Era de Ouro do Horror Italiano também teve seu espaço nas mãos de Mario Bava, principalmente, mesmo que em segundo plano. O italiano deixou para nós e para as futuras gerações, um cinema criativo, tecnicamente a frente de sua época e esteticamente incomparável.

4 comentários:

Alan disse...

Luccas li até a parte da foto e gostei muito do que li. Vou baixar e ver. Imagino que para você escrever uma crítica tão extensa deve ser um excelente filme.

Anônimo disse...

filme super bom

Alan disse...

Realmente Luccas, é um filme que vale a pena ressaltar a parte técnica.

O cinema italiano não vem passando um bom momento... Deveriam olhar para o passado.

A dona do boteco disse...

Nossa,que prazer ler este texto!
Confesso que eu não conhecia nada sobre a "Era de Ouro do Horror Italiano" e fiquei interessadíssima por cada aspecto que a crítica mencionou.Este filme virou prioridade, estou muito curiosa.