10/12/2011

O Baile dos Bombeiros (1967)

Título Original: Horí, má panenko / Direção: Milos Forman

  Caçoação de primeira ao regime comunista na década de 60 da República Tcheca, a crítica burlesca alastra em degraus até lograr um nível gritante, embora o próprio autor revele em uma entrevista que essa não era a intenção dele, mas apenas realizar um filme cômico com esses fatos. Disse também que toda essa controvérsia foi principalmente fruto de uma desconfiança que o próprio regime tinha de si mesmo, sentindo-se ameaçado. Ainda mais com o surgimento da Nouvelle Vague, estilo artístico do cinema francês que vinha ganhando cada vez mais espaço, tentando derrubar os muros dos filmes comerciais daquele período.

  Vendo “O Baile dos Bombeiros” com a perspectiva dos dias recentes, fica meio difícil compreender o espírito da polêmica gerada na época, que para nós podem chegar até despercebidas essas missivas razoavelmente disfarçadas e acusadoras, mas elas estão bem evidentes, como o sarcasmo, desmoralização, parecendo tatuar na testa de cada personalidade ali presente a palavra “palhaço”. O efeito foi tão montanhoso, despertando revolta no governo, que Milos Forman foi perseguido e proibido de realizar fitas na Tchecoslováquia, então o cineasta dá adeus ao cinema checo e abraça a emulação de trabalhar no país da sétima arte, os Estados Unidos da América. Iniciando com “Procura Insaciável” (1971) ou conhecido também como “Os Amores de Uma Adolescente”, para em seguida marcar seu nome de uma vez por todas com o louvado “Um Estranho no Ninho” (1975). Com uma classe distinta que Forman ostentou em “Pedro, O Negro” (1964) e “Os Amores de Uma Loira” (1965), mesmo que esses dois filmes não tenham conotação política relevante, limitando-se à comédia e modo de vida, “O Baile dos Bombeiros” demonstra não se preocupar em construir previamente uma situação “identifical-familiar”, que é, de fato, a boa sacada dos anteriores filmes, gerando uma agradável comicidade insinuante, com detalhes característicos, ou seja, não chega a ser tão engraçado como os outros. Redundância: a comédia dessas obras do Forman não é desse tipo que muitos de vocês geralmente assistem, grotescas ou dinâmicas. Aqui as coisas são muito mais refinadas, singelas e inteligentes; exigem um certo grau de maturidade do espectador para serem contempladas. Um bom filme.

  Agora a resenha vai adentrar em seu lado mais descritivo dos acontecimentos, portanto, se você ainda não viu ao filme, deixe de ler. O Corpo de Bombeiros planeja uma solenidade para comemorar os 86 anos de seu ex-chefe de departamento, que está sofrendo de cancêr, porém, o próprio parece não saber disso ou talvez tenha conhecimento de seu estado clínico, então o grupo de bombeiros procura manter sigilo na entrega do pequeno machado de ouro, para não parecer que está homenageando só por causa de sua doença. Isso já seria início de uma sátira a bioquice da burocracia? Se olhar bem, pode ser visto que sim, mesmo não sendo a intenção do cinegrafista ou tal cena trate da conveniência moralmente aceita de qualquer trabalho, que a mentira é mais certa que a verdade em momentos peculiares. A fita faz questão de enfatizar os requintes do objeto a ser entregue, tendo sua abertura com ele e logo de frente simbolizando poder, honra ao mérito à alguém que fez muito pela Corporação. Admito que não sei do valor histórico desse ícone, entretanto, imagino que não seja fundamental para a Organização, pois na reunião todos eles olham cuidadosamente e como algo um tanto desconhecido. Começa então a modelagem da festa e a depreciação passa a assumir um teor mais patente com o sumiço de alimentos e a falta de eficácia em manter a ordem, cujas personagens fazem papéis ridículos e engraçados onde preferem apagar o fogo em um cartaz que auxiliar uma pessoa em perigo, chegam a lembrar “Os Três Patetas” ou “Os Trapalhões” pelo tipo de burlesquidade que se baseia na ignorância. E assim é sua introdução, com um cartaz a figurar os bombeiros apagando um incêndio e em sua totalidade sendo consumido em chamas, metaforizando que “bombeiro” e “nada” são a mesma coisa, dar-se pouco valor a eles e a burocracia; para causar um efeito a mais, o plano de fundo dos créditos iniciativos é composto por fotos dos trabalhadores críveis e com uma trilha musical circense.

  O concurso de beleza, um dos eventos principais do Baile, é dirigido pelos membros do Corpo e as candidatas são escolhidas a dedo, mesmo sem o consentimento delas, apenas por se encaixarem no padrão de sedução aceito. Eles insistem com palavras diretas e de maneira que as candidatas fiquem sem opções, a não ser concordar com o convite. Outras vezes as trazem bruscamente para preencherem umas lacunas no número de escolhidas. Depois de tudo, eles se reúnem com elas atrás das cortinas para definirem os “parâmetros” do desfile, o que ficam bem duvidosos esses intentos pela semelhança abusiva sexual que contorna, nem por aproximações físicas, todavia, pela atmosfera criada em torno, dando a entender que vai além de uma básica competição, ainda mais com a figura materna presente, como se fosse a trava de segurança contra os atos ilícitos, que eles tentam desconcertantemente afastar, tornando-os ainda mais suspeitos. As próprias candidatas já são uma ironia em si, algumas estão despadronizadas ou têm sua beleza singular, exótica. Na hora de coroar a mais bonita o ritmo desanda negativamente, gerando uma confusão de complicado controle que o Milos Forman aproveita para dá closes íntimos, reforçando melhor sua proposta de um filme descontraído.

  Chegado o trecho da película que pode ser visto como mais uma denúncia contra o desempenho da Corporação de Bombeiros e a burocracia, que neste momento em que eles estão na gandaia, na baderna; algo de importante e grave está vingando do outro lado, onde uma enorme casa incendeia com um senhor dentro. Eles partem para amenizar o estrago, mas a falta de estrutura em solucionar o problema deixa a desejar, ainda para piorar, um dos integrantes do Baile tem a ousadia de pedir emprestada a mesa da casa incinerada para vender bebidas. São detalhes, minúcias, que se forem interpretados, ganham muito significado. Os pequenos furtos continuam sua trajetória discreta, dessa vez raptando os prêmios do concurso, já nem vou mais citar a palavra “ridículo” para não ficar excessivo, onde a solução que eles encontram acabam tendo resultados desastrosos para o próprio grupo, acompanhado com o argumento que é preferível não sujar a imagem da Instituição que ser honesto e devolver os objetos furtados em ocasiões impróprias.

  O ex-chefe da Corporação, já é o ícone propositalmente pintado para ser bobo, onde a fatuidade e candidez se mesclam. Composto por atos falhos em seu grau acima da média do risível, no entanto, com atitudes bem simpáticas e palavras bonitas nos momentos certos, até a expressão ingênua. O final é ótimo, tanta altercação para nada, massacra o comunismo. “O Baile dos Bombeiros” é a última obra checa do Milos Forman e seu primeiro filme colorido. Jucundo!



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