06/12/2011

O Guerreiro Silencioso (2009)



O Guerreiro Silencioso, ou Valhalla Rising no original, é uma produção conjunta de Dinamarca e Inglaterra, dirigida por Nicolas Winding Refn, com elenco encabeçado por Mads Mikkelsen, sobre a trajetória de um guerreiro nórdico acompanhado de um garoto e um grupo de cristãos, há cerca de mil anos atrás.

O filme tem uma premissa um pouquinho remanescente do velho Conan, o Bárbaro, de John Milius. Mas se o filme de Milius já é considerado por alguns como não tendo tanto movimento quanto se esperaria, esse aqui, que lembra também um pouco de Herzog e até mesmo um tiquinho de Tarkovsky, passa mais longe ainda do quesito “ação do início ao fim”.

A história se passa ainda na época dos vikings e o ator Mads Mikkelsen vive aqui um guerreiro nórdico de um olho só – que por isso passará a ser chamado de Um Olho – que é mantido prisioneiro.

Um Olho, que não profere palavra alguma e parece ser imbatível em combate, é obrigado a participar de lutas até a morte, pra gerar renda a seus senhores. A única pessoa que lhe demonstra alguma compaixão é Are, um garoto que é encarregado de “alimentar o animal”.

Mas chega um momento em que Um Olho se liberta, mata seus antigos donos e sai perambulando com o garoto Are, até encontrar um grupo de cristãos que pretende ir a Jerusalém lutar em cruzada. Um Olho e Are então se juntam a eles e é a partir daí que transcorrem os eventos principais do filme, que até então estava apenas apresentando seus personagens.

Nada indica que a trajetória será fácil e cada um dos viajantes parece ter seus próprios e particulares objetivos, mas o grupo de cristãos parece geralmente seguir um deles, que tem postura de líder e enuncia preceitos religiosos de salvação, a qual poderá ser obtida na reconquista da Terra Santa.

Só que o barco no qual todos viajam toma rumos desconhecidos e os leva para uma terra misteriosa, mas pelo menos tão violenta quanto a Terra Santa.

O filme trata de uma jornada de busca. Mas uma jornada na qual a busca da salvação, da maneira como era almejada pelos cristãos, assume contornos de uma estranheza que entra em choque com o misticismo de sua crença religiosa.

O roteiro é simples e o que torna o filme uma experiência forte, é que ele consegue extrair dessa “linha de história” um conto austero, violento, alucinógeno, hipnótico.

Todo o filme é incrivelmente sério, não há sequer uma pitada de humor. Também “austeros”, são os recursos postos à disposição da produção. Mas o trabalho bem sucedido ao ponto de dar mesmo a sensação de qualquer requinte a mais na elaboração do filme, estragaria muito de sua “beleza”.

Todo o cenário do filme são apenas as locações totalmente naturais em que os personagens vagam. Mas a câmera explora muito bem essa natureza, conseguindo mesmo mostrar a “presença das montanhas e das florestas”, de maneira a nos fazer perceber algo do quanto de vida há naqueles ambientes.

Nesse sentido, o filme presta mesmo uma pequenina homenagem a Tarkovsky e à maneira como ele nos trazia a natureza em seus trabalhos.

Mas é ainda uma jornada de homens e esses homens, embora completamente perdidos, mostram a que vieram. Verdadeiros bárbaros, seu real objetivo é algo muito mais “mundano” do que o que eles professam, ainda que para isso, estejam plenamente certos de que o Deus único e seu filho sacrificado são quem demandam a procura da carnificina em uma terra distante.

Nesse sentido, acho que remete um pouquinho também a Herzog e a seu Aguirre.

Mas de fato, esses homens encontram uma carnificina, mas assim como é o caso com Deus, essa carnificina mostra que com seu nome não se brinca, nem se usa em vão e ela então os castiga mostrando o seu real significado.

Quem já era tão estranho quanto a viajem em si, era o próprio Um Olho, que passa então a ser visto pelos demais como o verdadeiro esteio a ser seguido nessa busca, que continua a ser de salvação, mas de salvação através da necessidade mais urgente de sobrevivência, em um mundo alienígena até mesmo para os mistérios da fé daqueles cristãos.

Um Olho é aquele que melhor consegue sobreviver no estranho mundo e, de fato, ele possui o dom da clarividência, o que é percebido pelos outros, que então tendem a segui-lo, quando não querem matá-lo.

Disso tudo já dá para se ter uma idéia dos temas tocados pelo filme. Mas realmente, os temas são apenas “tocados” pela fita e nenhum deles é visto com profundidade, apenas são vislumbrados em meio à estranheza de tudo, numa sábia decisão que evita objetivos inatingíveis e previne contra a vergonha da pretensão não satisfeita.

A fita tem seu próprio tempo, seu andamento é deliberado. Mas o caminho mostrado pela direção não tem nada de supérfluo, todo o tempo lento que o filme percorre é perfeitamente utilizado para transmitir do conteúdo.

O elenco dá conta do recado, com especial destaque para Mads Mikkelsen, bastante convincente nesse papel, que lembra mesmo o primeiro Conan com Schwarzenegger, antes que o austríaco emitisse qualquer de suas poucas palavras nesse filme. Mas se Mikkelsen não tem os músculos de Arnold, ele supera em muito as capacidades interpretativas deste último, além do que, sua figura e sua expressão pesadamente sombrias mais do que compensam seu físico delgado.

As cenas de ação são poucas, mas eficientes e estão lá para auxiliar na construção do todo e não como o objetivo principal.

O filme tem mesmo um cunho simbólico bem interessante. Na verdade, Um Olho é uma bela referência a Odin, ou Wotan, o deus máximo da mitologia nórdico-germânica, que também tem apenas um olho e é o senhor da guerra e da sabedoria a ser espelhada e seguida.

E o deus Odin, assim como Um Olho, previu o seu próprio crepúsculo, o seu próprio fim e se preparou e o recebeu com a dignidade de quem sabe que tudo nesse mundo se transforma, que as pessoas e suas criações morrem para darem lugar àquilo que está por vir.

E de fato, o monumento de pedras erguido por Um Olho, assim como as criaturas que se revelam no fim da história, demonstram que é o “Novo Mundo” que está a surgir, em paralelo ao “Surgir do Valhalla” do próprio título do filme, sendo que este último na verdade anuncia o realmente o fim e não o nascimento dos deuses nórdicos.

Em suma, não há profundidade na fita, apenas uma alusão simples, mas que é muito bem colocada e, sobretudo, inspirada, funcionando deveras, ao ponto de ser marcante o suficiente pra deixar uma boa impressão.

Muito bom filme.

2 comentários:

Alan disse...

Esse Luiz escreve muito bem, fico até constrangido de trazer minhas dez linhas kkk... Mas ainda assim aconselho a leitura da ótima crítica só pra quem já assistiu ao filme. O Luiz toca em vários pontos e esmiúça o filme com a qualidade de quem tem muito conhecimento e bagagem cultural... Mas pra quem gosta de surpresa não aconselho a leitura, apesar de não ter grandes spoilers...

A dona do boteco disse...

Estas analogias com a mitologia nórdico-germânica e a interpretação do filme como uma jornada de busca despertaram muito o meu interesse. Que bom ter lido o texto porque este filme não me chamaria a atenção, mas agora quero ver, com certeza..